Dia 1 de Janeiro de 1980. Quinze horas e quarenta minutos.
Dia de Ano Novo. O almoço foi animado. Lá em casa era sempre assim. Planeando o dia seguinte, cada um de nós foi desenvolver tarefas pendentes e necessárias. Nós as manas, estamos juntas. Os pais estavam no outro lado da casa.
Entre risos, cambalhotas, e gargalhadas, surgiu um ruído estranho. Ruído que passou a estrondo. A casa, sacudia e retorcia. Os objectos caiam de todos os lados. Da rua, chegavam gritos. Peguei na minha irmã mais nova ao colo e abracei a outra. Tentamos chegar à porta da rua. Encontramos os meus pais que vinham em nosso auxílio. Dirigimo-nos para a rua. A porta não abria. Os gritos continuavam a chegar e o barulho de pedras a rolar e paredes a cair.
Conseguimos sair. O caos estava ali mesmo à nossa frente. A igreja que ficava mesmo em frente, estava parcialmente destruída. Ao olharmos para trás, verificamos que aquela que tinha sido a "nossa" casa, e de onde tínhamos acabado de sair, era um monte de escombros...
Nós, a família de cinco pessoas, estava bem. Sem nada. Mas juntos.
Perante a tragédia de Haiti, senti-me paralisar. Não consegui raciocinar de uma forma coerente. Fiquei à beira do desespero. De um desespero antigo. De um desespero recente. O que fazer?
P.S. Acabei de receber uma chamada telefónica. Alguém que conta comigo para ajudar a angariar fundos. Mãos à obra! Há quem precise de mim, de nós!
Amanhã, será o dia "D"...
Pode muito bem ser o início de uma etapa irreversível, ou ser, simplesmente, um ponto final na linha da vida.
Uma boa dose de angústia existencial e uma caixa de Toblerone, união perfeita.
Quinze cravos, vermelhos!
Os teus preferidos.
Um por cada ano da tua ausência... PAI!
Deve ter sido com um estado de espírito semelhante a este em que me encontro, que António Variações, escreveu o "Estou além".
Hoje será um daqueles dias em que a ansiedade e as incertezas, acompanhar-me-ão, como fiéis companheiras.
Sei que é preciso fazer qualquer coisa, mas nem sei bem o quê. Tenho a sensação que tudo aquilo que eu possa fazer hoje, resultará num fracasso tremendo e terá consequências desastrosas.
Apetece-me ficar e partir. Independentemente de onde ficar ou para onde partir.
Tenho a estranha sensação que tudo estará voltado ao contrário.
Há alguns anos atrás, uma conhecida minha fez, lá para os lados de Coimbra, uma cura de sono.
Se calhar isso seria o ideal. Uma cura de sono, da qual eu acordasse, revigorada de energias, pensamentos e sentimentos.
Dava-me um certo jeito, acordar com a alma clara de uma linda manhã de verão, cheia e de reflexos dourados de sol, em vez de um final de tarde escuro, carregado de nuvens negras em anúncios de tempestade.
Dou-me conta que, o único sitio, onde me apetecia estar neste momento era em Manhouce .
Estranho, há cerca de um ano, fui lá pela primeira vez e hoje apetecia-me voltar lá. Em Manhouce as pessoas são genuínas e de alma lavada. contam-nos as suas histórias de vida como se nos conhecessem desde sempre...
Era, efectivamente lá que eu queria estar. Sentada, talvez, numa qualquer soleira de porta, a ver quem passa e a dar dois dedos de conversa, quem sabe até a falar sobre aquela abóbora enorme que "saltou" do serrado para a estrada e que alguém lhe fez um apoio preso no muro para que não caísse na estrada e se estragasse...
Ver as coisas simples de gentes simples, que por amor à terra onde nasceram e cresceram, fizeram dela uma das mais bonitas aldeias deste país.
Curiosamente, dei-me conta agora, que comecei a falar de António Variações, divaguei até chegar a Manhouce , terra de uma mulher extraordinária (infelizmente não a conheço pessoalmente), dona de uma voz magnifica e pura e que também cantou e canta "Deolinda de Jesus", falo, obviamente de Isabel Silvestre.
O meu estado de alma, melhoraria, se ouvisse António Variações e visitasse Manhouce .
Afinal, até sei o que quero fazer hoje... Mas, há sempre um mas..., não posso!
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